Depois do silêncio, a coisa que mais gosto é de música. E boa música pra mim é aquela que me tira do silêncio e depois me devolve para ele. Na juventude gostava de ouvir músicas, mas nunca pude ter um aparelho que me atendesse. Até que um dia apareceu oportunidade que não desperdicei. Eu tinha uma pequenina bicicleta gasta de tanto uso que não me servia mais. Um dia, um amigo, desejando presentear seu irmão caçula, me propôs um rolo: trocar a velha bicicleta por um walkman. Eu topei na hora. Depois de feito o trato informei meus pais que ficaram fu-ri-o-sos, pois supunham valor maior para a bicicleta. Mal sabiam eles que o câmbio infantil é diametralmente oposto ao câmbio dos adultos. Para as crianças as coisas valem o exato tamanho de suas serventias.

O walkman era amarelo, com detalhes em preto, quase do tamanho de um tijolo. Nele dava para ouvir fitas K7, daquelas que não existem mais. O aparelho era alimentado por 4 pilhas que não resistiam a execução de todas as músicas de uma única fita.

Vivíamos uma época difícil. O pai estava desempregado e a mãe também. Estávamos com o aluguel atrasado e a energia elétrica interrompida por falta de pagamento. Enquanto ainda tínhamos um botijão de gás, a água do banho era esquentada no fogão e todas as noites tomávamos um banho romântico, sob a luz de velas.

Eu só queria ouvir música. Na época gostava de ouvir rock nacional e minha música predileta era “Vento Ventania”, do Biquíni Cavadão. A canção estava gravada na terceira faixa do lado A de uma fita que eu havia comprado na feira dominical, por um preço possível. Talvez gostasse desta música porque ela transportava-me para um lugar longe dali, onde precisamente não queria ficar. Eu não tinha dinheiro para comprar pilhas para o walkman. Assim, desejando ouvir a obra musical quantas vezes fossem possíveis, buscava formas de economizar a energia das pilhas. Rebobinar por meio do walkman seria um desperdício. Então eu tirava a fita K7 do aparelho, tomava-a numa das mãos, enquanto na outra segurava um palito, destes de sorvete. Colocava o palito num dos orifícios da fita e girava o engenho, rebobinando a bendita, até chegar na posição da faixa três do lado A. Sabia exatamente quantas voltas devia dar no carretel da fita para chegar ao ponto ideal: eram 37 voltas. Depois deleitava-me com a música que me retirava daquela realidade hostil: “…Vento, ventania / Me leve para os quatro cantos do mundo / Me leve pra qualquer lugar…” Ao terminar a execução predileta parava imediatamente, apertando o botão “Stop”. Em silêncio, retirava a fita do compartimento e tornava a rebobiná-la com as mãos para deixá-la no ponto de início. Ouvia novamente. Assim sobrevivi, de silêncio em silêncio.

Ronei Costa Martins Silva

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