A MORFOLOGIA DO LUGAR DA ASSEMBLEIA E SUA
CORRELAÇÃO COM O SENTIDO DE CRISTO TOTAL

Capítulo quarto

A ASSEMBLEIA LITÚRGICA

Onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?

Meu palpite: dentre de um abraço.

(Martha Medeiros)[1]

Neste capítulo, abordaremos a condição da assembleia como protagonista da celebração, para em seguida avaliar a espacialidade, o lugar a ela reservado, na intenção primeira de se identificar alguma coerência entre o sentido da assembleia, como Corpo Místico de Cristo, e o ambiente no qual ela vivencia sua condição cristológica.

4.1 Assembleia litúrgica: sujeito integral da celebração

O termo assembleia costuma significar um grupo qualquer de pessoas reunidas em torno de algum objetivo que lhes seja comum. Já, para a igreja, o termo ganha um adjetivo que o qualifica: assembleia litúrgica, mais ainda, assembleia litúrgica cristã. Neste caso, a reunião se refere a um grupo de fiéis reunidos em nome de Cristo e que escolheram se inserir na dinâmica da vida cristã.[2]

Acerca do verbete em análise, Armando Cuva explicita: “a assembleia litúrgica cristã não é simples símbolo da igreja: é, sobretudo, sua manifestação mais expressiva e acessível, é a sua verdadeira epifania”.[3]

As pessoas se encontram dispersas nos seus afazeres cotidianos, mas se sentem vinculadas umas às outras por uma profissão de fé. Estas, periodicamente, encontram-se. E este encontro deve ser festivo, motivado pela alegria do reencontro, de estarem juntas, da conversa amiga e da partilha dos acontecimentos outrora vividos. Esta troca, esta partilha das dores e alegrias são incentivos que impelem as pessoas a se encontrarem.

Marko Rupnik ensina que a missa se inicia quando os católicos deixam suas casas em direção à Casa da Igreja.[4] Armando Cuva, no Dicionário de Liturgia, quando escreve o verbete “Assembleia”, afirma que:

Durante a celebração litúrgica, o exercício das várias funções e tarefas não deve ser expressão de individualismo ou causa de desunião, mas deve obter a unidade profunda e orgânica da assembleia, que sirva de sinal claro da unidade de todo o povo de Deus.[5]

Com a licença para parafrasear a citação acima, empurrando a brasa fumegante para a sardinha desta monografia, pode-se dizer que o espaço litúrgico e o lugar da assembleia não devem estimular o “individualismo” ou favorecer a “desunião”, mas devem promover a “unidade profunda e orgânica da assembleia” e que “sirvam de sinais claros da unidade de todo o povo de Deus”.

O evangelho de João fixa que era preciso que Jesus morresse para reunir na unidade os filhos de Deus que estão dispersos (Jo 11,52). Os encontros dos cristãos, então, são motivados por esta mística Cristã: celebrar o Mistério Pascal (encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo) e sua resplandescência, em vista da antecipação do Reino de Deus. E viver o Reino em vista de sua antecipação é necessariamente viver em comunidade, tal como faziam as primeiras comunidades cristãs, como já vimos.

Para expressar esta realidade peculiar, surgiu uma linguagem própria. Luis Maldonado afirma que para expressar este encontro de fiéis utilizavam-se os termos syneleusis, synagogé, coetus, convocatio, congregátio, collecta, processio, synaxism synerjomai, azroitzomai, coire, convenire, congregari[6]. Mas a despeito de toda esta nomenclatura, o termo que se consolidará será ekklesia, vocábulo latinizado a partir do grego e que significará não só uma comunidade, mas a sua reunião periódica num local determinado e a partir de um chamado, de uma convocação[7]. Daí deriva o termo conhecido “Igreja”, que é facilmente confundido com a edificação, mas que seu real sentido é povo reunido em assembleia, mediante uma convocação. Os primeiros cristãos chamavam o local onde se reuniam de domus Ekklesia, ou seja, casa da Igreja.

Atualmente, para facilitar a comunicação entre o povo cristão, convencionou-se chamar o templo de igreja com “i” minúsculo, enquanto que a assembleia litúrgica cristã é nominada por Igreja com “I” maiúsculo. Esta terminologia, entretanto, soa inadequada, sobretudo para a comunicação verbal, na qual não se percebe a grafia, mas também porque a similaridade entre ambos pode suscitar confusões. Por esta razão e considerando a grande diferença entre Edifício/Templo e Assembleia Orante, e em homenagem às primeiras comunidades cristãs, este estudo utiliza a terminologia Casa da Igreja para mencionar o templo.

Se Jesus morreu e ressuscitou para reunir os filhos de Deus dispersos pelo mundo e se a reunião é um encontro festivo, o que se percebe, então, é que não é possível uma celebração litúrgico-cristã acontecer com algumas poucas pessoas, numa celebração “missa sine populo” (apenas comsacerdotes e ministros). Também não é possível existir aqueles que celebram e aqueles que assistem. A liturgia será obra de todos e consiste numa ação global, totalizante.[8] Ela é uma ação da Ekklesia, sendo necessário que todos os membros estejam comprometidos com o seu acontecimento.

Antes do Concílio Vaticano II, o missal referia-se ao padre como “o celebrante”, já o novo missal o considera “sacerdos celebrans”, o sacerdote celebrante, indicando que há outros celebrantes além do padre.[9]

Klemens Richter defende que “do ponto de vista teológico a liturgia já não é entendida como uma tarefa do pároco ou de outros funcionários profissionais, mas é uma tarefa de toda a comunidade”.[10]

Lutero afirmou que todas as pessoas cristãs que se encontram no templo, no momento de sua dedicação deveriam pegar os materiais litúrgicos e ajudar na dedicação.[11]

Entretanto, a despeito dos ensinamentos dos documentos da igreja, da Patrística e do próprio Evangelho, permanece um desprestígio do lugar da assembleia. Vivemos uma sacralidade ambígua, excessivamente ligada a objetos e às coisas e desconectada das pessoas. Ajoelhamos diante do tabernáculo vazio, logo após a comunhão e, na sequência, negamos Cristo no irmão. Esta condição potencializada, ampliada, oferece pistas para explicar o costume equivocado em não se privilegiar o lugar da assembleia no espaço celebrativo.

Costumeiramente, vemos espaços de celebração que desprestigiam a assembleia, seja pela posição e formato do presbitério, seja pela disposição da assembleia que não revela o sentido de corpo, Corpo Místico de Cristo.

A assembleia litúrgica é o povo sacerdotal que, convocado pela Palavra, que é Cristo, se reúne para celebrar o Mistério Pascal. Sujeito da celebração, ela expressa e manifesta a Igreja como Corpo de Cristo, reunido pela ação do Espírito Santo: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt18).

Martimort afirma claramente que: “la misa y los sacramentos exigen la asamblea, y piden imperiosamente la reunión efectiva, real, del Pueblo cristiano.”.[12]

Ele ainda se propõe uma questão retórica para reforçar sua tese. Ele se pergunta acerca da eficácia do sentido da assembleia, como Corpo de Cristo, se temos a presença real d’Ele na Eucaristia. E, então, sai em defesa da essencialidade da assembleia reunida para que a eucaristia aconteça. Em suas palavras: “En primero lugar porque la eucaristía supone la asamblea, como algo previo, y porque sin el estudio de la asamblea no seríamos tan sensibles al aspecto comunitario de la eucaristía”.[13]

Continuando em defesa do sentido da assembleia, como corpo místico de cristo, ele radicaliza:

Pero independientemente de la eucaristía y de los demás sacramentos, Cristo estás presente en la asamblea litúrgica, como leemos: “Donde dos o tres se hallen congregados em mi nombre, allí me hallo yo em medio de ellos” (Mt18,20) [14]

Martimort não tem dúvida alguma de que a assembleia litúrgica carrega em si a presença de Cristo, ligada ao fato da reunião, do encontro daqueles que comungam dos mesmos princípios.

Algo bastante interessante que Martimort nos traz refere-se à variante da tradição de Edesa e Seleucia-Tesi, sobre o mandamento de Jesus na última ceia: “Heced esto em memoria mía cuando os reunáis en asamblea.”[15]

Já Bergamo e Petre afirma que a assembleia, convocada como Corpo de Cristo é o primeiro sacramento. Dizem eles “La chiesa, l’ecclesia, l’assembrea convocata come corpo di Cristo e quindi gerarchicamente ordinata, è il primo sacramento dela liturgia dela mesa”.[16]

Congar[17] fala acerca da expressão Assembleia Litúrgica, evidenciando a força do adjetivo que qualifica o sujeito, mostrando que o elemento essencial que constitui a assembleia litúrgica é o chamado, que, uma vez aceito, faz o indivíduo ser enxertado no corpo comunhonal de Cristo. Suas palavras:

Si parla di assemblea litúrgica. È chiaro che l’aggettivo qui è decisivo; nel senso forte del termine, esso specifica. Non ogni raggruppamento di persone è um’assembrea: bisogna essere stati invitati, aver risposto a uma convocazione. C’è inogni assemblea um elemento che la costituisce, um qualcosa che viene proposto di fare insieme. Nel caso specifico è il culto da rendere a Dio come corpo comunionale di Cristo, trovando in questo da rendere a Dio come corpo comunionale di Cristo, trovando in questo um beneficio personale di vita santa. Questo culto non è lasciato ala mostra iniziativa pura e símplice, ma viene da Cristo, viene dal suo corpo, è l’atto di Cristo e del suo corpo, noi siamo invitati a entravi dentro, a uniri a questo. Proprio perché è di Cristo e del suo corpo è litúrgico.[18]

Luis Maldonado, no livro “A Celebração da Igreja”, cita o exemplo de várias comunidades monásticas que, para celebrar a santa Eucaristia, dividem-se em dois grupos de fiéis, um grupo de frente para o outro, de tal modo que, enquanto celebram, entreolham-se e se contemplam, vislumbrando no rosto do irmão, que canta e ora, o sinal do rosto do próprio Cristo[19].

Klemens Richter também lembra que as igrejas conventuais colocavam os clérigos e os monges em cadeiras frente a frente. Nas celebrações nos monastérios, estes dois grupos, defronte um para o outro, cantavam de forma alternada[20].

Tal morfologia da assembleia monástica, citada por Maldonado e Richter, contribui para se encontrar uma forma de disposição da assembleia que possa ajudar os fiéis a meditar a mística cristã e favorecer o encontro de irmãos. A percepção visual do conjunto dos membros contribui para a percepção do corpo da assembleia, o Corpo Místico. Além disso, esta forma de disposição da assembleia, segundo ainda Maldonado,[21] evita um clima letárgico e de passividade, que predomina em muitas igrejas, favorecendo, por outro lado, o encontro festivo de irmãos.

Maldonado ainda defende que a assembleia deve ser aberta, plural, diversificada e heterogênea, como sinal inequívoco da universalidade do amor do Pai[22]. Ideal é que se congregue pessoas de diferentes idades, gerações, gênero, e culturas, mesmo que entre elas haja motivos de divisão na vida civil[23], tal como a utopia cristã do pentecostes escatológico[24], onde, apesar de falarem idiomas distintos, respeitando-se a diferença e a diversidade, todos se entendem. A assembleia cristã é, então, o novo pentecostes, como contrarréplica da torre de Babel[25].

Vimos, no capítulo dedicado às questões sociológicas, a importante contribuição da antropóloga Tereza Caldeira, que trouxe a ideia fundamental da coexistência de diferenças não assimiladas.[26] O A. Cuva, quando desenvolve o verbete sobre a Assembleia litúrgica, afirma que:

…a assembleia, portanto, não reúne apenas santos e perfeitos, não é reserva de uma elite espiritual. Acolhe todos, santos, imperfeitos, pecadores, para que em todos se manifestem os prodígios da misericórdia e da graça de Deus e, assim, a igreja toda ‘vá purificando-se e renovando-se dia após dia, até que Cristo a faça comparecer resplandecente, sem mancha, nem ruga, diante dele.[27]

Sobre a saudável diversidade encontrada na assembleia, Martimort afirma que:

La primera ley consiste em que la asamblea litúrgica, como la Iglesia, reúne lo que estaba disperso. Es uma reunión em la igualdad entre hombres y mujeres de toda tribu, lengua nación, condición social. De toda esta diversidade Cristo há hecho um solo Pueblo, um solo cuerpo.[28]

E ainda continua: “la asamblea litúrgica no es, pues, la reunión de una elite de exquisita formación, una sociedad de perfectos. Sólo dos condiciones se piden para entra em ella: la fe profesada y el bautismo”.[29]

          Para fundamentar sua defesa em favor da diversidade que se deve encontrar nas assembleias litúrgicas, Martimort recorre aos evangelhos. Lembra do grupo de cochos, cegos e aleijados que foram “obrigados” a adentrar ao banquete do rei (Lc14,23) e ainda do grupo de trabalhadores que, apesar de trabalhar menos, recebem o mesmo salário daqueles que trabalharam o dia todo (Mt 20,1-16).[30]

          Ambas as citações, além de serem sinais claros do acolhimento da diversidade que enriquece a comunidade cristã, é sobretudo uma postura radical em favor dos menos favorecidos. Tanto os deficientes, quanto os desempregados precisam ter sua dignidade garantida e a dignidade não é uma grandeza abstrata.

Por esta razão, é inconcebível assembleia litúrgico-cristã de iguais. Parafraseando Paulo, o apóstolo do Corpo Místico, seria como se um corpo fosse composto apenas por pés, ou mãos, ou narizes. Impossível!

Para são João Crisóstomo, a Igreja “foi feita, não para separar aqueles a quem reúne, mas para unir e juntar os que se acham separados. É isso que significa assembleia.”.[31]

Então, se a assembleia é para unir os que se acham separados, o lugar no qual ela, assembleia, encontra-se deve ser facilitador deste encontro, nunca obstáculo. Entretanto, o que se percebe na maioria das Casas da Igreja é que os ambientes, ao invés de promover esta união, vão por caminho oposto: afastam.

4.2 O lugar da assembleia

A assembleia é sujeito da celebração, mas é também o espaço humano onde ela acontece[32]. Não é possível viver a experiência cristã no isolamento, na solidão.

Os padres capadócios Basílio[33] e Gregório Nazianenzo[34] defendem que o modo segundo o qual existe o nosso Deus é o relacional[35]. O modo segundo o qual Deus existe é comunhonal. Deus é comunhão, uno e trino. Uma comunidade perfeita. Ora, se o próprio Deus escolheu se revelar à humanidade na condição de comunidade, em três pessoas, e não de forma individual, isto é o sinal claro de como se pode encontrá-lo: somente em comunhão, somente na comunidade.

Por esta razão, o encontro da assembleia é anterior ao espaço físico-arquitetônico, como ensina Paulo, quando escreve aos Efésios: “a Igreja enquanto comunidade de crentes reunidos em torno do Cristo é o templo santo” (Ef2,19-22). Portanto a comunidade reunida precede o edifício no qual o encontro acontece.

Entretanto, Luis Maldonado vai dizer que é necessário evitar que o templo seja considerado um espaço meramente funcional, se assemelhando com uma simples sala de conferências, de reuniões ou congressos[36], pois o templo deve expressar seu significado cristão-eclesial.

O concílio de Niceno II, ocorrido em 787, na cidade de Niceia, atual Iznik, Turquia, diz que: “quando os cristãos se dispersam pelo mundo, trabalhando durante a semana, se alguém entra na igreja, mesmo se não houver celebração litúrgica, o altar, o ambão, a arquitetura, as paredes, já revelam por si só o que é a Igreja.”[37]

O templo, em sua finalidade simbólica deve estar a serviço da potencialização do que ali se celebra na liturgia: o encontro para celebrar o Mistério Pascal. E, mesmo quando não houver celebrações, ele deve testemunhar a verdade que ali se professa.

Entretanto, foi o movimento litúrgico que promoveu, a partir dos anos 20 do século XX, uma nova concepção de espaço litúrgico[38]. A passagem de uma piedade privada e individual para uma vivência em comunidade e centrada na comunhão eucarística exigiu a reconfiguração dos espaços de celebração. Alguns arquitetos alemães, afirma Klemens Richters, assumiram o desafio de transferir as intenções do movimento litúrgico para o espaço edificado das casas da Igreja[39]. Entendia-se que o edifício podia promover a participação ativa dos fiéis ou, em sentido oposto, prejudicá-la.

Bergamo e Petre ousam afirmar que a disposição arquitetônica da assembleia litúrgica impõe situações de incapacidade de sair da inércia e, portanto, de uma liturgia pré-conciliar, tipo clerical. Suas palavras: “Infatti è la disposizione che caratterizza le situazioni di incapacita a uscire dall’inerzia di uma liturgia preconciliare, di tipo clerical.”[40]

Igrejas de plantas longitudinais, com o espaço axialmente orientado para o altar, foram modificadas buscando alternativas que favorecessem a disposição de lugares de reunião ao entorno do altar[41], manifestando a nova compreensão de que toda a comunidade é o sujeito da ação litúrgica.

O palácio de Rothenfels consagrou-se como um exemplo interessante extraído do livro de Klemens. Em 1928, Rudolf Schawrtz, arquiteto que tentou materializar no espaço as ideias de Romano Guardini[42], interveio na capela do palácio, propondo readequações litúrgicas que expressassem a novidade do Movimento Litúrgico. O ambiente foi limpo, retirou-se os elementos da arquitetura gótica e ornamentos barrocos, e nele foram alocadas as cadeiras, cujas disposição buscou revelar o sentido de comunidade e de Corpo Místico de Cristo. Eis o desenho esquemático dos ensaios de Schawrtz:

Ilustração 01. Sala dos cavalheiros do Palácio de Rothenfels (1928). Quatro possibilidades de utilização do espaço / Fonte: Desenho do autor, livremente inspirado na obra de Klemens Richter,
             Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas

          

A reforma litúrgica recuperou a concepção cristã de celebração. Em vez de uma liturgia do clero, predominante na Idade Média, a celebração litúrgica passou a ser responsabilidade de toda a assembleia, na qual cada um deve fazer aquilo que lhe compete. São João Crisóstomo disse que se eu digo “o Senhor esteja convosco” e eu não escuto a resposta, não posso continuar a celebração[43]. Em vez de uma celebração estática, na qual o povo apenas contempla, surge uma celebração participativa, dinâmica, na qual o foco é o encontro com Cristo, presente na comunidade reunida.

E esta nova perspectiva para a assembleia litúrgico/cristã exige um novo espaço. Um lugar no qual todos estejam ao redor do Altar[44], que promova o encontro, a experiência da alteridade, a coexistência de diferenças não assimiladas, um lugar que minimize as tensões simbólicas que afastam o corpo clerical do corpo laical, impondo divisão ao Corpo Místico. Enfim, um ambiente dotado de valor afetivo, que favoreça e aprimore a experiência cristã de viver em comunidade.

O liturgista italiano, Armando Cuva, quando aborda o tema da assembleia afirma que: “a própria disposição geral do lugar sagrado deve ser tal que sirva como verdadeira expressão da assembleia nele reunida e que favoreça a comunicação entre os vários participantes[45]. Esta descrição induz a imaginar tipologias de plantas nas quais se possam perceber a expressão da assembleia (corpo místico) e se possa, também, favorecer a comunicação entre os participantes.

Klemens mostra que em oposição ao modelo basilical costumeiro, na igreja do oriente, havia espaços centralizados, hexagonais, octogonais ou em forma de cruz grega, formando o ideal de círculo com o ponto central no altar[46]. Nestes modelos, diferentemente da forma basilical dominante, os fiéis podem se acomodar de forma circundante, voltados para um centro comum. Ele afirma que estas tipologias são raras nas igrejas do ocidente, apesar do registro de um exemplar interessante: a capela palatina octogonal de Carlos Magno[47].

Ilustração 02. Capela Palatina de Carlos Magno
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Capela_palatina#/media/Ficheiro:AachenChapelDB.svg

Segundo o liturgista alemão Philipp Harnoncourt, “a divisão do espaço em presbitério e nave, em zona da liturgia (palco) e espaço de espectadores (plateia), não é desejada”.[48]

Obviamente, pretende-se com esta afirmação dizer que a forma do espaço litúrgico deve manifestar a unidade íntima e coerente do Corpo Místico de Cristo. Entretanto, em alguns casos, muito em função das dimensões das igrejas, será necessário que o presbitério seja elevado em dois ou três degraus, para promover a adequada participação de todos. Contudo deve-se evitar a ideia de palco, que possa impor alguma barreira física e simbólica entre os que celebram, noutras palavras: sendo necessários degraus, recursos arquitetônicos devem ser utilizados para minimizar a ideia de separação entre clero e assembleia, afim de se promover a unidade do Corpo.

Quando da necessidade da execução de degraus, é de fundamental importância a construção de rampas de acesso para pessoas com alguma deficiência de mobilidade, seja permanente ou temporária. Esta condição é exigência das normas nacionais e internacionais, entretanto, mesmo que tal conjunto normativo não existisse, a acessibilidade deveria ser considerada mandamento cristão. Simples: aproximar-se do altar da ceia é dádiva para todos, independentemente de sua condição de mobilidade. Qualquer obstáculo que impeça um cadeirante de se aproximar do altar é contratestemunho cristão. Mesmo que numa comunidade nunca haja um cadeirante, a rampa cumprirá um papel simbólico. A sua existência será sinal, para todos, de que aquele lugar é acolhedor.

Já sobre as igrejas longilíneas (igrejas corredor), Schwarz diz:

Falta a perspectiva dos olhos nos olhos, aqui ninguém vê o outro à sua frente, todos olham para a frente. Aqui falta o intercâmbio quente das mãos, a entrega do homem ao homem, a circulação de uma ligação cordial, já que aqui cada um está solitário no contexto. A forma longitudinal deixa cada um sozinho no todo, o coração permanece em solidão. As pessoas não podem sentir-se cordialmente próximas, já que este esquema não tem um coração.[49]

Klemens sugere que as pessoas vêm para a celebração com o desejo de maior proximidade, de serem aceitas e amadas, mas, ao mesmo tempo, retraem-se perante o encontro com alguém desconhecido[50]. Nota-se, segundo o autor, uma tensão entre o desejo da experiência da proximidade e a situação real de acanhamento e distanciamento para com o outro desconhecido no encontro litúrgico.

Soma-se a isto o fato de que se houver pequenos conflitos entre as pessoas já conhecidas, estes poderão ser motivos de afastamento, de fuga das contendas, procurando evitar a troca de olhares, frente-a-frente, entre os atores. Tal fenômeno social, já tratado neste ensaio a partir do conceito de Coexistência de Diferenças Não Assimiladas[51], é algo que enriquece e fortalece a comunidade, entretanto, sabe-se ser mais cômodo e confortável fugir deste exercício.

E, por óbvio, uma igreja corredor (longitudinal), na qual as pessoas no máximo verão as nucas umas das outras, será modelo confortável, tanto para aqueles que desejam distância dos desconhecidos, quando para aqueles que desejam evitar os possíveis conflitos.

Talvez, por esta razão, as propostas de igrejas com uma morfologia mais adequada à comunidade comensal eucarística[52] ainda hoje não sejam acolhidas por muitas comunidades, dando preferência às igrejas longitudinais (igrejas corredor).

Entretanto, a intenção da reforma litúrgica é insistir nesta força sanadora, que é o encontro eucarístico, mesmo que em algumas ocasiões ela seja dolorosa.[53] Corroborando com esta ideia, Herbert Muck afirma que “o conceito espacial do estar juntos na presença do Senhor é mal interpretado por uma forma arquitetônica que conduza apenas a olhar para a frente”[54]. Para ele, estar junto pressupõe encontro, pressupõe troca, pressupõe interação e não somente uma presença física inerte.

A Instrução geral do Missal Romano, em seu número 311 é taxativa: “Disponham-se os lugares dos fieis com todo o cuidado, de sorte que possam participar devidamente das ações sagradas com os olhos e com o espírito (…)”.[55]

Nas palavras do bispo Paul Josef Cordes “o encontro deve ser recíproco, cada qual voltado para o outro. Todos têm no altar o centro espiritual da sua assembleia e à comunidade é concedida uma proximidade espacial com o centro.”[56] Desde tempos antigos, nas celebrações, os participantes eram designados de circunstantes[57], aqueles que estão ao redor. Ao redor do altar.

Bergamo e Petre também apontam a necessidade do espaço litúrgico e, sobremaneira, do lugar da assembleia preverem a possibilidade de movimento, pois as celebrações litúrgicas são dinâmicas e os fiéis devem ser os protagonistas da ação litúrgica. Vejamos o que dizem:

Infine bisogna tener presente la possibilità di movimento all’interno dell’assembrea perchè, come vedremo, le celebrazioni liturgiche sono um fato dinâmico, non solo da parte dei presbiteri o di chi serve diretamente la liturgia, ma degli stessi fedeli: non si trata di ‘assistere come mute specttatori’ a uma rappresentazione svolta da altri su uma specie di palcoscenico, ma di ‘participare’ cioè agire da protagonisti.[58]

Vê-se, portanto e diante do exposto, que o formato das casas da Igreja e, principalmente, do lugar da assembleia cumprem papel determinante para a realização de sua vocação primeira, qual seja, facilitar o encontro de irmãos para juntos, e como membros de um único Corpo Eclesial, celebrarem o Mistério Pascal de Cristo na esperança da antecipação do Reino de Deus.

4.3 O tamanho das casas da igreja

Este item será dedicado à reflexão acerca do tamanho das casas da Igreja. Não se pretenderá, entretanto, apontar uma dimensão ideal, uma vez que cada comunidade e realidade local devem ser consideradas quando da edificação ou reforma de um templo. As ideias aqui externadas servirão, apenas, para ensejar reflexões, novas pesquisas e estudos que aperfeiçoem os espaços litúrgicos na perspectiva da resplandescência do Mistério Pascal de Cristo.

As assembleias litúrgicas cristãs dos primeiros séculos, na fase conhecida como Igreja dos mártires, eram compostas por apenas algumas dezenas de pessoas. Como já vimos, após a fase dos encontros nas catacumbas, reuniam-se nas Domus Ekklésia, residências da época nas quais eram acolhidos os cristãos. Normalmente eram casas oferecidas pelos fiéis. O livro do Atos dos Apóstolos (12:12) nos mostra uma delas, a casa de Maria, mão de João Marcos. Martin Mcnamara defende que esta provavelmente foi a casa na qual Jesus tomou a última ceia[59].  Outras são conhecidas. A casa de Simão, em Jope (Atos dos Apóstolos 9:43), a de Ananias, em Damasco (Atos dos Apóstolos 9:10), A casa de Lídia, em Filipos (Atos dos Apóstolos 16,15-40), na qual, provavelmente, Paulo apóstolo se reunia com os cristãos; a casa de Filémon, em Colossos (Filemon, 2).

Com os Éditos de Milão e de Tessalônica, aos poucos, o cristianismo tornou-se uma religião de massas. E isto, como vimos, provocou a necessária busca por lugares mais amplos para o encontro dos cristãos.

Segundo Gelineau, com a evangelização das regiões camponesas, chegaram a ser construídos templos menores, com capacidade para até 100 pessoas. Durante vários séculos vigorou a combinação entre pequenas igrejas rurais e suburbanas e as grandes basílicas. Aquelas eram espaços de vivência comunitária, enquanto estas constituíam-se em lugares de peregrinação em ocasiões especiais e festivas.

Mas, no alvorecer da urbanização contemporânea, iniciou-se o processo de construção de igrejas cada vez maiores, segundo nosso autor, Gelineau, “um certo triunfalismo” se apoderou das paróquias, desencadeando o processo de edificação de templos gigantescos, de estilos romano, gótico e bizantino.

Algo mais delicado se refere à morfologia destes gigantescos templos. A maioria deles foram divididos em compartimentos, inúmeras naves separadas por uma sequência de pilares, coros, capelas laterais, transeptos, tribunas, etc. E esta espacialidade, característica dos edifícios eclesiais daquela época, resultava, obviamente, numa percepção da experiência cristã equivocada, qual seja, a de que a separação e a segregação, tal como se percebia no espaço, seria natural para a experiência mistagógica. Percebe-se, então, que estes espaços segregacionistas acentuaram a relação não-convergente, mas de disputa, entre o campo clerical e o campo laical e mais ainda, criando-se castas também segregantes entre os próprios leigos. Enfim, ambientes pouco cristãos, se se levar em conta a ideia de comum-unidade.

É muito provável que as comunidades cristãs contemporâneas sejam herdeiras destas práticas que influenciam as liturgias atualmente. É provável que a edificação de novos templos religiosos e a reforma de tantos outros sejam norteadas por estes princípios, já sedimentados nos inconscientes, tanto dos arquitetos, artistas e clérigos, quanto da própria comunidade.

A provocação que se faz, a partir das ideias acima, é acerca do tamanho das casas da Igreja. É perceptível que a dimensão monumental da assembleia litúrgica, pode tornar a liturgia enfadonha, se comparada à celebração litúrgica numa pequena igreja.

É óbvio que os santuários não podem ser incluídos nesta reflexão, pois são lugares de peregrinação, nos quais pouco se observa a existência de pastorais orgânicas e vivência comunitária. São lugares em que a dimensão monumental é necessária para o acolhimento do volume grande de fieis peregrinos. A despeito destes, o tamanho das assembleias é fator determinante para a adequada experiência cristã, em vista do exercício da vivência comunitária, à luz dos ensinamentos de Cristo.

Exemplos não faltam nos quais se percebe melhor acolhida e melhores condições, para se celebrar o Mistério Pascal, numa igreja menor e mais aconchegante, se comparada a templos monumentais. Vejamos o que diz Gelineau, nosso liturgista francês, acerca de duas experiências diametrais:

Entro num domingo em uma igreja da cidade de estilo neogótico, para a missa das 11 horas. Várias centenas de pessoas já estão lá. Primeiro vejo-lhes as costas. A nave central parece-me cheia. Hesito colocar-me na parte mais baixa, porque gosto de ver. Encontro um lugar no último terço da nave. Estou sempre vendo as costas. Lá no fundo, distingo um altar-mor de aspecto simples. Depois, percebo o busto de ministros com alva, voltados para a assembleia, mas muito longe de mim. Que estão eles fazendo? Ouço que se canta. Chega-me uma voz pelos alto-falantes. Sem dúvida deve ser a de um dirigente que distingo por trás do microfone. Será que na minha frente a multidão está cantando? Provavelmente. Mas eu não escuto. Em todo caso em torno de mim estão calados. Eu gostaria de cantar, mas tenho a impressão de que faria um solo e daria um espetáculo. Agora são as leituras, depois a homilia. Ouço-as corretamente graças aos aparelhos de som. Entretanto estou distraído. Faço esforço para escutar o sermão. O que é dito parece inteligente, mas esta voz anônima não me atinge. Mas afinal, que faço eu ali? Se tivesse ficando diante da televisão certamente aproveitaria mais o sermão. Por certo, mas eu tenho também de comungar. “E nós vos suplicamos que, participando do corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espirito Santo num só corpo”, disse justamente o padre. Comungar com Deus e com meus irmãos. Olho à minha volta. De fato, é preciso que eu creia nisto! “Saudai-vos uns aos outros em Cristo”. Meu vizinho não se abala. Nem eu, pois não quero incomodá-lo. Com o rebanho ajuizado, eu vou também comungar. No entanto, depois de tudo, saio da igreja sentindo um certo mal-estar.[60] (grifos nossos)

Diversos são os fatores que provocam na comunidade a triste experiência percebida pelo autor. Um deles, sem sombra de dúvida, é o espaço de celebração. Sua dimensão, forma, arquitetura (conforto acústico/térmico/luminotécnico e sonoro), disposição da assembleia, dos monumentos pascais, presbitério e iconografia afetam diretamente o comportamento da assembleia. Ele ainda descreve uma segunda experiência que faz um bonito contraponto:

No domingo seguinte, experimento outra igreja, num quarteirão de subúrbio, de que tive boas informações. Entro numa ampla sala quadrada, com forro de madeira. A luz do dia entra por janelas invisíveis. O chão é em declive e os bancos arrumados em semicírculo. Uma centena de pessoas se acham ali reunidas. Descubro um lugar livre. A senhora do lado me sorri, como que dizendo que eu posso sentar-me perto dela. Eu lhe sorrio também e sento-me. O senhor da esquerda me dá bom dia e eu lhe respondo o cumprimento. Levanto os olhos. Com um só olhar vejo todo o mundo. Jovens casais, crianças, pessoas mais idosas. Ensaia-se um canto. O animador está no centro do semicírculo em baixo, a alguns metros distante de mim. Ele canta: “a ti, meu Deus, cantem os homens louvor”, “Senhor a tua Igreja somos nós, uma só voz”. Sem sentir comecei a cantar com todo o mundo. Fui assimilado ao uníssono. Cantam-se também as estrofes. Minha vizinha me mostra o livro e a página, quando o canto para, ouço: “Bom dia irmãos. Que a paz e a alegria de Deus estejam convosco!” O celebrante estende os braços e sorri. Ele tem um ar simpático. Sua voz e agradável. Reparem: Não há necessidade de microfone! Como isto é repousante! “Hoje um sacerdote africano está entre nós. Rezemos pela Igreja da África. E, dentre vós eu saúdo especialmente os estrangeiros e as pessoas de passagem. Será que todos já arranjaram lugar? O evangelho de hoje…” Depois do evangelho, o padre começa perguntando a uns e outros, tanto às crianças como aos adultos, o que compreenderam e o que não compreenderam. No momento das intenções da oração, muitos da assembleia apresentam as suas. Há umas lindas. Depois, homens e mulheres, deixando seus lugares, levam o pão e o vinho ao celebrante. Eles permanecem em torno do altar. Agora ajudam a dar a comunhão. Á saída, sinto vontade de entrar em contato com aquelas pessoas. A isto elas se prestam de bom grado, Todo o mundo conversa em frente à porta. Há uma espécie de pátio, com uma máquina de servir café. Alguns ainda discutem o propósito do evangelho e do que disse uma jovem mãe. Acho que voltarei um outro domingo.[61] (grifos nossos)

Obviamente, as razões para esta comunidade viver uma experiência de fé bem diferente do primeiro caso são inúmeras, dentre as quais, destaca-se a importância do espaço litúrgico. O ambiente de celebração, seu tamanho, forma, disposição, neste caso, favoreceu o encontro de irmãos e a troca fraterna de olhares, acenos, saberes, orações.

Ainda é importante mencionar que a ação litúrgica é performática. Tanto a palavra, quando os gestos realizados pelo ministro, por exemplo, durante a consagração, são indispensáveis. Numa igreja muito grande, a voz poderá até ser amplificada por meio de equipamentos de sonorização, facilitando a escuta por parte da assembleia, mas os gestos se perderão. Numa igreja muito grande, a visibilidade é impossível de se resolver, comprometendo a leitura da complexa dimensão simbólica que se encontra na liturgia.

Outro aspecto negativo acerca das igrejas monumentais refere-se à estratificação do povo celebrante. Numa igreja grandiosa, faz-se necessário edificar um presbitério elevado, por meio de muitos degraus, para que se veja o celebrante, a mesa da palavra e a mesa da eucaristia. E esta condição impõe um espaço distinto, separado, no qual se movimentam o clero e seus auxiliares, acentuando a percepção errônea de que a liturgia é feita apenas pelo clero. Como explicar, diante desta espacialidade consolidada, que a celebração da páscoa de Cristo é ação de todos e que a assembleia orante é protagonista?

De nada serve ensinarmos na catequese que Cristo está presente na assembleia, ou mesmo rememorarmos as palavras do papa Paulo VI, quando diz que “dos modos de presença do Senhor na sua Igreja, ocupa o primeiro lugar a assembleia em oração, sobretudo na celebração eucarística”[62], se o espaço testemunha o contrário.

Já em igrejas menores a disposição arquitetônica não exigirá presbitérios elevados, sendo até possível fazê-lo no mesmo nível da nave, apenas com distinção no tipo de piso, para acentuar o lugar santo. E esta condição, contribui sobremaneira para a percepção do corpo eclesial, expressão de Cristo, Corpo Místico de Cristo, conforme ensina a teologia paulina.

Gelineau, liturgista experiente, afirma categoricamente que “o que é possível numa assembleia de 100 a 150 pessoas já não o é quando se trata de numerosas centenas”.[63]

Sobre o tamanho das assembleias, resgatando a ideia de Gelineau, na obra “Nelle vostre Assemblee”, Bergamo e Petre afirmam se deve evitar um ambiente disperso e anônimo, sugerindo um número máximo de até 200 participantes. Suas palavras: “e bisogna evitare um ambiente dispersivo e anomino, ma soprattutto perché se un’assemblea deve essere tale non può superare um certo numero di partecipanti: 100, al massimo 200 persone riescono a realuzzare.”[64]

          Eles ainda comentam acerca das celebrações com até 50 pessoas, nas quais, segundo eles, acontece um real envolvimento:

Ottimali sono le celebrazioni com piccoli gruppi (30-50 pesona) in cui si realiza um vero co-involgimento e um’efficace calibrature dela celebrazione rispectto a quella cominità. Le grandi celebrazioni di 500, 1000 persona (ma perché allora non di più) sono realizzabili solo in casi eccezionali. [65]

Seguindo estas premissas, encontramos defesas semelhantes em outra seara cristã. Muito embora não sejam católicos, Eder Beling, doutor em teologia e pastor luterano, na obra “Liturgia e Arquitetura, Espaço, Arte e Fé no Lugar do Culto”, e Nelson Kirst, também doutor em teologia, também luterano, na obra “Culto e Cultura em Vale da Pitanga”, fazem apontamentos que reforçam as ideias aqui expostas. Diz Beling:

Na comunidade todos participam igualitariamente do corpo de Cristo, ela é a família de Deus unida para render louvores a Deus pela sua graça e misericórdia atreves de Jesus Cristo, por isso os critérios de aconchego e comunhão devem ser levados em consideração. O cuidado na construção ou reforma de um espaço deve levar em conta a atmosfera que se quer criar, para que não nos sintamos como espectadores solitários na plateia.[66]

Já Nelson Kirst é mais incisivo ao tratar do tamanho das casas da Igreja ao dizer que:

As dimensões arquitetônicas de uma igreja têm muito a ver com o critério do aconchego e da comunhão. Proporções gigantescas impactam, extasiam, mas muitas vezes esmagam a comunidade que abrigam. Dificilmente proporcionam um aconchego e comunhão.[67]

Entretanto, e a despeito da qualidade dos argumentos apresentados acerca do tamanho ideal para as assembleias litúrgicas, que visa promover e qualificar a participação da comunidade, é preciso, também, considerar aspectos práticos que impõem alguns obstáculos à promoção desta valorosa ideia. Referimo-nos a três entraves, em princípio, sem a pretensão de serem os únicos e de, muito menos, esgotá-los aqui.

Primeiramente, há a questão cultural. O costume consolidado na sociedade e nas comunidades ainda está muito vinculado à monumentalidade, ao esplêndido, como sinal da presença de Deus, questão que precisa, certamente, ser superada, e que, portanto, não se configura num obstáculo intransponível.

Em seguida, verifica-se a questão urbana. As cidades brasileiras possuem características distintas da maioria das cidades europeias. Aqui, os aglomerados urbanos são caracterizados por grande concentração de pessoas, se comparados à maioria das cidades europeias. Soma-se a isto uma maior adesão à vivência cristã católica, que amplia o conjunto daqueles que buscam uma assembleia litúrgica para participar.

Por fim, o baixo contingente de padres. O desinteresse em seguir a vida sacerdotal ministerial, sintoma de uma série de problemas internos e externos à Igreja, configura-se em outro impedimento para a ideia de casas da Igreja menores.

É evidente que celebrar a eucaristia numa capela para até 100 pessoas é uma experiência muito boa. Entretanto, diante da realidade que se apresenta, é necessário encontrar um equilíbrio entre a proposta ideal e a demanda da realidade local.

Muito embora seja demasiado ousado a indicação do tamanho ou capacidade, os apontamentos deitados sobre este papel deixam claro que é preciso cuidado, atenção e zelo quando se edifica uma casa de oração para que o espaço edificado não se transforme no contratestemunho do que se pretende viver na comunidade, a partir dos princípios do evangelho. Se uma igreja paroquial monumental for causa de segregação da comunidade, afetando o sentido de corpo místico de Cristo, convém aprofundar os estudos a fim de se encontrar uma solução que acolha a todos os paroquianos dignamente.


.[1] MEDEIROS, Marta. Pensador. Disponível em: <https://www.pensador.com/frase/ODA5Njcy/> Acesso em: 10 fev. 2020.

[2] Cf. Cuva, Armando. Assembleia. In: SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (Orgs.), Dicionário de liturgia, São Paulo: Paulinas, 1992, p. 95.

[3] Ibid., p. 97.

[4] Cf. RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 206.

[5] Cuva, Armando. Assembleia,103.

[6] Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 163.

[7] Cf. Ibid., p. 164.

[8] Cf. Ibid., p. 165.

[9] Cf. Ibid., p. 165.

[10] RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 73.

[11] Cf. Apud BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto, p. 59.

[12] Ibid., p. 176. A missa e os sacramentos exigem a assembleia e pedem, urgentemente, a reunião efetiva e real do povo cristão (tradução nossa).

[13] Apud González Padrós, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort. Barcelona: Centro de Pastoral Litúrgica; 1. ed, 2004, p. 190. Em primeiro lugar, porque a Eucaristia supõe a assembleia como algo anterior e porque, sem a reunião da assembleia, não seríamos tão sensíveis ao aspecto comunitário da Eucaristia (tradução nossa).

[14] Mas, independentemente da Eucaristia e dos outros sacramentos, Cristo está presente na assembleia litúrgica, conforme lemos: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (tradução nossa).

[15] Apud González Padrós, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 204. Façam isto em memória de mim quando reunidos em assembleia (tradução nossa).

[16] Cf. BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, Bolonha: Dehoniane, 2003, p. 208. A igreja, a ecclesia, a assembleia é chamada como o corpo de Cristo e, portanto, hierarquicamente ordenada, é o primeiro sacramento da liturgia da mesa da eucaristia (tradução nossa).

[17] Yves Marie Joseph Congar, eclesiólogo, teólogo dominicano e cardeal francês.

[18] PRETOT, Patrick. Spazio Liturgico e Orientamento, p. 111. Fala-se em assembleia litúrgica. É claro que o adjetivo aqui é decisivo; no forte sentido do termo, ele especifica o sujeito. Nem todo grupo de pessoas é uma assembleia: você deve ter sido convidado, deve ter respondido a um chamado. Em toda assembleia existe um elemento que a constitui, algo que se propõe a ser feito em conjunto. No caso específico, é o culto a ser dado a Deus como o corpo comunhonal de Cristo, encontrando neste um benefício pessoal da vida santa. Este culto não é deixado para mostrar iniciativa pura e simples, mas vem de Cristo, vem de seu corpo, é o ato de Cristo e seu corpo, somos convidados a entrar nele, a se juntar a ele. Precisamente porque pertence a Cristo e ao seu corpo é litúrgico. (tradução nossa)

[19] Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 166

[20] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 68.

[21] Cf. MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração, p. 166.

[22] Cf. Ibid., p. 167.

[23] Cf. Ibid., p. 167.

[24] Cf. Ibid., p. 167.

[25] Cf. Ibid., p. 168.

[26] CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000, p. 308.

[27] Cuva, Armando. Assembleia, p. 101.

[28] Apud González Padrós, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 179.  A primeira lei é que a assembleia litúrgica, como a Igreja, reúne o que foi disperso. É um encontro de igualdade entre homens e mulheres de todas as tribos, idiomas e status social. De toda essa diversidade, Cristo criou um único povo, um único corpo (tradução nossa).

[29] Apud González Padrós, Jaume. La asamblea litúrgica en la obra de A.G. Martimort, p. 180.  A assembleia litúrgica não é, portanto, o encontro de uma elite de requintada formação, uma sociedade perfeita. Apenas duas condições são solicitadas para entrar nela: a fé professada e o batismo (tradução nossa).

[30] Cf. González Padrós, Jaume. La asamblea litúrgica es un signo, p. 238.

[31] Apud MARTINS, Nabeto Carlos. A Igreja de Cristo: citações patrísticas. 4. ed. São Paulo: Clube de Autores, 2012, p. 114.

[32] Cf. MALDONADO, Luis. Onde e quando se celebra. Espaços e tempos de celebração. In: In: BOROBIO, Dionísio (Org.). A celebração da Igreja, p. 176.

[33] São Basílio Magno, teólogo, Bispo de Cesareia (Capadócia) e Doutor da Igreja.

[34] São Gregório de Nazianenzo, teólogo, Bispo e Doutor da Igreja.

[35] Cf. RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p.106.

[36] Cf. MALDONADO, Luis. Onde e quando se celebra. Espaços e tempos de celebração, p. 176

[37] RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 86.

[38] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 24.

[39] Cf. Ibid., p. 24.

[40] BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 193. De fato, é a disposição que caracteriza situações de incapacidade de sair da inércia de uma liturgia pré-conciliar, de tipo clerical (tradução nossa).

[41] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 25.

[42] Romano Guardini (1885-1968) foi um influente teólogo do século XX. Contribuiu decisivamente para preparar o caminho para o Concílio Vaticano II.

[43]Cf. Apud RUPNIK, Marko Ivan. A arte como expressão da vida litúrgica, p. 106.

[44] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 33.

[45] Cuva, Armando. Assembleia, p. 102.

[46] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 59.

[47] Ibid., p. 59.

[48] Apud RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 34.

[49] RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 65.

[50] Cf. Ibid., p. 66.

[51] Ver abordagem sobre a coexistência de diferenças não assimiladas na página 51.

[52] Cf. RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 64.

[53] Cf. Ibid., p. 66.

[54] Ibid., p. 73.

[55] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: Edições CNBB, 2008, 331.

[56] Apud RICHTER, Klemens. Espaços de Igrejas e imagens de Igrejas, p. 74.

[57] Cf. Ibid., p. 74.

[58] BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia, p. 195. Por fim, é necessário ter em mente a possibilidade de movimento dentro da assembleia, porque, como veremos, as celebrações litúrgicas são dinâmicas, não apenas pelos padres ou por aqueles que servem diretamente à liturgia, mas pelos próprios fiéis: não se trata de “ajudar como espectadores mudos” em uma representação realizada por outros em um tipo de palco, mas em “participar”, ou seja, atuar como protagonistas (tradução nossa).

[59] Cf. MCNAMARA, Martin. As assembleias litúrgicas e o culto religioso dos cristãos primitivos. Revista Conciliun. Petrópolis, n.002, jun-dez 1969, p. 24.

[60] GELINEAU, Joseph. O amanhã da Liturgia: Ensaio sobre a evolução das assembleias cristãs, p. 36.

[61] Ibid., p. 38.

[62] Apud MORAES, Francisco Figueiredo de. Espaço do Culto, p. 52.

[63] GELINEAU, Joseph. O amanhã da Liturgia: Ensaio sobre a evolução das assembleias cristãs, p. 37.

[64] BERGAMO, Maurizio; DEL PETRE, Mattia. Spazi celebrativi. L’architettura dell’ecclesia,  p. 193. É necessário evitar um ambiente disperso e anômalo, mas, acima de tudo, porque uma assembleia deve ser assim, não pode exceder um certo número de participantes: 100, no máximo 200 pessoas (tradução nossa).

[65] Id.,p. 193. Ótimas são as celebrações com pequenos grupos (30 a 50 pessoas), nas quais um real coenvolvimento e uma participação eficaz da celebração acontecem desde o início. As grandes celebrações de 500 a 1000 pessoas (mas porque agora não mais) só são possíveis em casos excepcionais (tradução nossa).

[66] BELING, Eder. Arquitetura e Liturgia: espaço, arte e fé no lugar de culto, p. 175.

[67] Ibid., p. 175.

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