No meio da estrada havia um homem desfalecido após ter sido espancado por assaltantes. Descia pelo mesmo caminho um pastor que ao vê-lo desmaiado, passou longe. Também um padre viu o moribundo e seguiu seu caminho por outro lado. Já um ateu, aproximou-se do homem, curou-lhe as feridas, levou-o à hospedaria, pagou pela sua estadia e para que cuidassem dele, até que o anônimo se recuperasse.

Com esta parábola contada por Jesus (Lc10, 25-37), papa Francisco ilustra sua encíclica Fratelli Tutti, assinada no último 3 de outubro. No documento, que é dividido em oito capítulos e passa integrar a Doutrina Social da Igreja-DSI, há críticas contundentes aos efeitos negativos do capitalismo e do nacionalismo populista, cujas consequências são a violenta exclusão e a ampliação do abismo social.

Para ele as fronteiras existenciais, sociais, econômicas e geográficas não podem impedir o cuidado para com a comunidade humana.  Suas palavras combatem a ganância e o acúmulo desenfreado e propõem resgatar a função social da propriedade (§ 118), já defendida pelos papas Paulo VI e João XXIII, nas encíclicas Popullorum Progressio e Mater et Magistra. O bispo de Roma reforça a ideia de que o direito à propriedade é um direito secundário e não deve jamais se sobrepor ao bem comum.

O homem da parábola socorreu um anônimo que estava em necessidade, curou-lhe as feridas, retirou dinheiro do próprio bolso e pagou as diárias da hospedaria. N’outra encíclica, a Caritás in Veritate, o papa Bento XVI, afirma que caridade é inseparável da justiça social. Nela somos provocados a dar ao outro o que é dele por direito, o que lhe pertence em razão do seu ser, melhor dizendo, eu não posso dar ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Desse modo quando ajudamos alguém necessitado, devemos nos perguntar se aquele gesto não foi apenas a devolução daquilo que lhe foi roubado antes. O homem ateu ao pagar as diárias da hospedaria apenas devolveu aquilo que já era do homem ferido, por direito. Seu gesto restituiu-lhe a dignidade.

Nesta toada, Francisco de Roma olha para a parábola de Jesus e diz que é impossível ignorar que aqueles que negam socorro ao moribundo são pessoas religiosas. Diz ele que as vezes os ateus atendem melhor a vontade de Deus do que aqueles que dizem crer N’ele (§ 74). Para Francisco ser indiferente a dor alheia não é opção e por conta disto não há distinção entre religiosos e ateus, mas sim somente dois tipos de pessoas: as que cuidam e as que não cuidam (§ 70).

Ronei Costa Martins Silva

Arquiteto e urbanista

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