Imagine alguém sendo empurrado para a borda de um precipício, a centímetros de escorregar e cair no vasto vazio. Imagine ainda e em seguida que lhe seja oferecida duas opções de voto. A primeira opção seria cair e morrer e a segunda agarrar-se a um arame para se salvar. Se fosse apresentada estas duas opções, permitindo o imediato escrutínio, ou seja, a escolha do coitado, poderíamos dizer que houve liberdade para a escolha? Poderíamos dizer que o miserável goza de liberdade democrática?
Desavisadamente alguém até diria que sim, que o justo condutor da sina do desgraçado lhe ofereceu duas opções, e que por conta disto ele não seria um terrível algoz, mas sim um valoroso democrata. Poderíamos dizer ainda que o moribundo tinha diante de si duas opções de voto: ser engolido pela escuridão do precipício ou se agarrar ao arame de aço.
Para compreendermos melhor esta minha alegoria é preciso olhar para algo imperioso e anterior à liberdade e, também, anterior à própria democracia. Refiro-me ao domínio da necessidade. Todos nós estamos submetidos a este domínio, ou seja, não há liberdade, muito menos democracia, quando um bem necessário à vida está em jogo. Explico melhor: qualquer um de nós seria incapaz de decidir entre respirar e não respirar, isto por conta de que o domínio da necessidade impera inexoravelmente sobre quaisquer outras condições, sejam elas morais ou éticas. Estou certo de que você ignoraria a segunda opção e encheria os pulmões de ar imediatamente, pois, assim como eu, você está sob o domínio desta necessidade.
Semana passada o empresário bolsonarista Cássio Joel Cenali, divulgou um vídeo no qual ele próprio, enquanto doava refeições (marmitas) à populares vulneráveis, negou uma refeição à uma mulher, após ela respondendo à pergunta do empresário, afirmar que votaria no Lula. Segundo o empresário, a pessoa com aquela predileção política não deveria comer. Segundo ele, ou ela muda de opinião e de voto ou não terá mais acesso àquela doação. Pergunto: teria esta senhora condições de escolher?
Agora imagine esta condição real irradiada por toda uma nação. Imagine uma nação submetida ao domínio da miséria, cujos compatriotas e seus filhos se submetem a roer ossos para aplacar minimamente a fome que consome suas vísceras. Estas pessoas não conseguem gozar de liberdade democrática, pois estão submetidas ao domínio de uma necessidade vital: alimentar-se.
Se ao esfomeado for oferecido um prato de comida em troca de qualquer favor, por mais indecorosa que a barganha possa parecer, o faminto aceitará, pois, sob o domínio da necessidade, não lhe restará opção. Diante da usurpação de dignidade, a escolha não é real. Quem tem fome não tem liberdade. Por mais que ignoremos, no domínio da fome não há democracia.
É por isso que antes de sermos verdadeiramente democratas, que antes de sermos verdadeiramente livres e apologistas da liberdade, antes de sermos arautos ética e da moral social, precisamos urgentemente erradicar a fome e a miséria, para permitir que as pessoas, todas elas, possam ter suas necessidades básicas suprimidas. Somente superando o domínio da necessidade seremos realmente livres e democratas.
Ronei Costa