O economista Raphael Bruce, do Insper, juntamente com o apoio da Universidade de São Paulo e da Universidade de Barcelona liderou uma pesquisa que culminou recentemente com a publicação do artigo “Sob pressão: a liderança das mulheres durante a crise da Covid-19”. Os dados exigem de nós uma reflexão e uma drástica mudança de postura política: cidades governadas por mulheres sofreram 44% menos mortes e 30% menos internações por Covid-19.
Nós, sociedade patriarcal, falhamos, admitamos! Degradamos o planeta em proporções assustadoras, graças a uma realidade caótica potencializada pela aceleração industrial e tecnológica dentro de uma consciência competitiva e predadora. Diante de uma crise sanitária global, agimos na contra-mão dos preceitos minimamente humanitários. Enquanto vimos a Nova Zelândia, governada por uma mulher, registrar 26 mortes na pandemia, países como os Estados Unidos e o Brasil, governados por homens, empilham seus mortos.
Segundo Heide Goettner Abendroth, alemã, a estudiosa do matriarcado moderno, a humanidade ingressou no modelo de sociedade predadora há cerca de seis mil anos. Antes as relações entre os grupos sociais eram de solidariedade, de cooperação, de partilha de bens e de vida. Estas comunidades primitivas usufruíam da participação efetiva e decisória das mulheres. Elas mediavam conflitos e organizavam a sociedade. Isto porque os povos acreditavam que a mulher tinha uma conexão direta com as divindades. Tal crença provinha da incompreensão do fenômeno da gestação e do parto. Tais fenômenos, faziam as comunidades considerarem elas, as mulheres, sagradas. Justo então, seria entregar a liderança das tribos a elas. Mas, com o início da sociedade de caça, passou-se a vigorar a lei do mais forte, no caso o homem, mais preparado para a caça, em detrimento da mulher que passou a ter função secundária na organização social. Surgiu, então, o patriarcado. Desde então a mulher foi confinada à tarefa doméstica, enquanto ao homem foi atribuída a função de chefe, de político. Naquele momento as relações de solidariedade e de cooperação foram substituídas pelas relações de força e violência. Esta foi, segundo nossa estudiosa, a inflexão histórica da qual até hoje buscamos remissão.
A mulher, enquanto dimensão feminina da humanidade, traz impregnada em seu ser valores fundamentais à vida. Desse modo, no momento em que ela foi apartada da vida pública para se dedicar à vida privada, a sociedade, então governada por homens, passou a substituir valores de cooperação, cuidado, atenção, amor; pelo culto à força, à disputa, à virilidade, valores evidentes na dimensão masculina e que até hoje norteiam a sociedade.
Atualmente, exemplos não faltam: sofremos guerras, fome, miséria, destruição. As poucas relações que cooperação, de harmonia, de integração, são insuficientes. Vejamos: que mãe depois de sentir o filho alimentando-se em seu seio o mandaria para uma guerra? Que mãe deixaria um filho passar fome, sob qualquer circunstância? Nenhuma, óbvio!
Raphael Bruce, economista do Insper, afirma que se metade dos 5.568 municípios do Brasil fossem governados por mulheres, seria possível esperar que o país tivesse, neste momento, 15% menos mortes do que o total agora acumulado, de quase 550 mil mortes. Atualmente só 13% das cidades possuem prefeitas. Repito: teríamos salvo 82 mil vidas, se metade dos municípios fossem liderados por mulheres.
Hoje, para que a vida seja promovida e respeitada se faz urgente a participação feminina; não podendo haver vida digna onde uma só dimensão, no caso a masculina, prevaleça. É imprescindível a interferência de mãos femininas contribuindo para a tomada das decisões de interesse público. É preciso mulheres assumindo cargos políticos e administrativos relevantes, ensinando a nós, homens, os cuidados necessários para juntos salvarmo-nos.
Em contraste com a teoria bíblico-patriarcalista-machista que colocou nas mãos da mulher, Eva, a culpa pela expulsão do Paraíso, hoje, talvez ela, a Nova-Eva, seja a protagonista da recondução da humanidade ao Paraíso.
Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019.
Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.