A paternidade, rito simbólico dotado de sacralidade.

Desde que me tornei pai do Benício, tornei-me pai. Parece redundante, mas não é. Da segunda vez não citei o meu filho. E isto para dizer que eles, meu bebê e minha esposa, me elevaram para uma categoria da existência humana que me une a outros tantos pais. E nesta condição visceral que revolve a vida, ressignificando tudo, coisas sim-bó-li-cas andam acontecendo.

A palavra “símbolo” e sua flexão adjetiva “simbólico” provém do grego clássico symbállem e significa lançar (bállein) junto (syn). O sentido então é lançar as coisas de tal forma que permanecem juntas. Contraindo mais pode-se dizer que símbolo significa juntar/unir e seu antônimo diabolo significa separar. Um símbolo, então, une duas realidades, uma sensível, visível, outra invisível, oculta e que por isso mesmo precisa ser decifrada.

Alguns símbolos já estão tão consolidados em nossa cultura que sua realidade invisível é facilmente decifrada. A aliança de casamento, por exemplo. Sua realidade visível é constituída por um aro de metal, geralmente de ouro. Mas não é só isso. O que importa mesmo é aquilo que não se vê, portanto, seu significado: ela é sinal da celebração do amor entre duas pessoas. Um símbolo também pode ser polissêmico, ou seja, ter vários significados. E é assim com a paternidade: muitos significados. Me aterei aqui a apenas um deles:

Sempre tive uma relação razoável com os meus pais. Entre tropeços e desentendimentos, sobrevivemos respeitosa e amorosamente. Mas a chegada do meu bebê mudou tudo: a consciência de que também sou filho, desceu do cérebro para as vísceras e então passei a enxergar meus pais com absoluta veneração.

Hoje percebo que a paternidade obedece a um rito dotado de sacralidade, cujo memorial se renova a cada dia: o banho não é qualquer banho. É um banho que para além do sabonete, dilui-se na água morna muito amor. Assim é com a alimentação, com o balanço no colo para dormir, com os cuidados com a saúde, com as brincadeiras e o sorriso banguela apaixonante. Tudo isto experimentado por mim, enquanto pai, transportou-me de imediato para meus primeiros meses de vida, quando dona Maria e seo Lino brincavam comigo e as vezes passavam as noites em claro para velar minha saúde.

Senti, então, nas entranhas, uma gratidão inexpressível por palavras conhecidas. E isto tem se repetido dia após dia e todos os dias. Certa vez, enquanto eu invadia a madrugada em busca de uma farmácia e um antitérmico para aplacar a febre do Benício, me veio na memória as vezes que meus pais cumpriram este mesmo rito sagrado e novamente fiquei emocionado. Óbvio que eu era pequeno e não me lembro, mas sinto, nas entranhas, que meus pais assim o fizeram.

Finalmente somente foi possível perceber a dimensão sagrada que eu experimentei enquanto filho, quando me tornei pai e repeti, tal qual um memorial, os ritos da paternidade.

Então se o símbolo é o que une duas realidades, vejo na paternidade um componente simbólico poderoso, na medida em que me uniu ainda mais aos meus pais. E todos os dias, diante do oficio sagrado da paternidade, renovo e atualizo esta divina experiência de, sendo pai, também ser filho.

Obrigado Benício, obrigado Juliana!

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019. Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

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