O LUGAR DA ASSEMBLEIA (Resumo e Introdução)

A MORFOLOGIA DO LUGAR DA ASSEMBLEIA E SUA CORRELAÇÃO COM O SENTIDO DE CRISTO TOTAL

RESUMO

Este trabalho propõe um convite à reflexão acerca da coerência entre o sentido de Corpo Total (Corpo Místico de Cristo) e o lugar que este Corpo, chamado Igreja, utiliza para se encontrar. A partir de uma abordagem interdisciplinar, passando pela história, pela teologia e pela sociologia, pretendemos direcionar os olhares para a concepção morfológica do lugar do encontro e, olhando para ele, respondermos duas perguntas: os atuais lugares da assembleia litúrgica são capazes de promover a percepção do Corpo de Cristo, por parte de cada um de seus membros? Os atuais lugares são capazes de estimular o encontro relacional, caminho mais eficiente para se fortalecer os vínculos afetivos, como cimento que une as partes num todo indivisível?  Considerando a hipótese de, em nossa opinião, estes lugares, com raras exceções, estarem aquém da necessária percepção de Corpo, por parte dos membros, perseguiremos o desafio de propor a qualificação do lugar da assembleia, tornando-o um ambiente afetivo, no qual as pessoas possam interagir umas com as outras, diferentemente do que se observava nos templos medievais, e na maioria das igrejas atuais, nas quais a interação é desestimulada e a impessoalidade e o individualismo potencializados. Então, inspirados pela herança dos primeiros cristãos e pela riqueza teológica deixada por Paulo de Tarso, partiremos da cristologia para a eclesiologia e destas para a arquitetura, buscando compreender o sentido de comunidade, para enfim propormos a conformação de um lugar que não iniba, mas estimule e promova a vivencia em comunitária.

Palavras-chave: Cristologia. Eclesiologia. Assembleia. Arquitetura.

ABSTRACT

This piece of work proposes an invitation to reflect on the coherence between the meaning of Total Body (Mystical Body of Christ) and the place that this Body, called Church, uses to find itself. From an interdisciplinary approach, going through history, theology and sociology, we intend to direct our eyes to the morphological conception of the meeting place and, looking at it, we answer two questions: the current places of the liturgical assembly are able to promote the perception of the Body of Christ by each of its members? Are the current places able to stimulate the relational encounter, the most efficient way to strengthen the affective bonds, as a cement that unites the parts in an indivisible whole? Considering the hypothesis that, in our opinion, these places, with rare exceptions, fall short of the necessary perception of the Body, by the members, we will pursue the challenge of proposing the qualification of the place of the assembly, making it an affective environment, in which people can interact with each other, unlike what was observed in medieval temples, and in most of today’s churches, in which interaction is discouraged and impersonality and individualism potentiated. Thus, inspired by the heritage of the first Christians and by the theological wealth left by Paulo de Tarso, we will start from Christology to ecclesiology and from these to architecture, seeking to understand the sense of community, in order to finally propose the formation of a place that does not inhibit, but encourage and promote community experience.

Keywords: Christology. Ecclesiology. Members. Architecture.

INTRODUÇÃO

(…) e se o senhor sente com temor que Deus também não existe agora, neste momento em que falamos d’Ele -, então de que lhe vale sentir falta d’Ele, que nunca existiu, como de algo passado, e procurá-lo como se o tivesse perdido? Por que não pensar que Ele é aquele que está por vir, aquele que se encontra diante da eternidade, o futuro, o derradeiro fruto de uma árvore cujas folhas somos nós?

Reiner Maria Rilke[1]

As cartas escritas por Rilke e endereçadas a Franz Xavier Kappus, cuja reunião resultou em seu livro mais conhecido, “Cartas a um jovem poeta”, revelam questionamentos valorosos sobre a vida, a partir da vivência do autor. O trecho acima foi extraído de uma carta que Rilke encaminha ao seu amigo por ocasião da celebração do Natal. A carta, entretanto, desenvolve-se a partir de uma singela e potente reflexão acerca da solidão. Entretanto, o que nos interessa aqui é o trecho pescado e acima oferecido. Neste trecho específico, Rilke reflete com o amigo sobre a sua crise de fé e da existência de Deus. Rilke, então, sugere uma analogia interessante, propõe ele que Deus pode ser o derradeiro fruto de uma árvore cujas folhas somos todos nós.

Vejamos o profundo sentido desta alegoria: as folhas são órgãos vegetais indispensáveis para uma árvore. Será através das folhas que uma árvore consegue absorver a luz solar e o gás carbônico para o processo de fotossíntese. Sem as folhas não há árvore, muito menos fruto. Ao propor, em sua parábola, que Deus é o derradeiro fruto de uma árvore cujas folhas somos nós, Rilke coloca em nossas mãos, potencializadas pela graça, a responsabilidade pelo advento do Reino de Deus. Mais ainda, de nada adianta uma árvore ter apenas uma única folha, ou algumas poucas folhas. Para sua sustentação, serão necessárias milhares, centenas de milhares de folhas. Assim, Rilke ainda nos ajuda a compreender que o advento do Reino não será tarefa de alguns poucos, de um grupo seleto, mas de todos.

Entretanto é necessário lembrar que a folha, separada do tronco, perece, ou seja, sua vocação é realizada somente se estiver conectada à árvore, numa retroalimentação vital, ou seja, somente a vida em comunidade pode proporcionar os meios necessários para o advento do Reino.

Neste esteio, proporemos, ao longo deste estudo, reflexões sobre o lugar do encontro, no qual haverá a união destas folhas que se pretendem, uma vez vinculadas ao tronco, serem, juntas, o meio pelo qual acontecerá o advento do Reino de Deus.

Lembremos, inicialmente, que este lugar do encontro é testemunho da fé, lugar simbólico maior da formação da identidade cristã[2]. Enzo Bianchi, afirma que:

O espaço litúrgico cristão é, com efeito, também ele liturgia. Esta verdade para nós irrenunciável atesta que a arquitetura litúrgica não o é se não for fruto do encontro entre a “ars celebrandi” e a “ars aedificandi”[3]

Fica evidente o papel fundamental da arquitetura do espaço litúrgico que, combinada com a vivência da mistagogia cristã, compõem um dos fundamentos da formação da cristandade, tal como diz Bianchi: “O edifício-igreja de ‘facto’ edifica a Igreja. Como a ‘ecclesia mater’, também o espaço de uma igreja é uma autêntica matriz espiritual na qual mulheres e homens cristãos são gerados para a fé.”[4]

Percebendo a potencialidade contida pelas paredes da casa da Igreja, trataremos da questão apresentada no título desta monografia, porém, antes, será preciso considerar a simbiose entre a resplandecência do Mistério Pascal e o acolhimento ao povo de Deus. São estes os dois eixos em torno dos quais orbitam todas as demais temáticas relativas ao espaço litúrgico e sua imagem teológica. Muito embora, para efeito de análise considera-se dois eixos separados, a vivência pastoral ensina que não há separação evidente entre os temas. Ambos se interconectam, fundindo-se numa única massa por meio da qual se molda a experimentação da mística cristã intraparedes, nos espaços de oração: os sinais visíveis, que apontam para o invisível, contribuindo nesta busca pelo transcendente por meio do imanente e o povo reunido que faz esta experiência mística.

Dos dois eixos aqui sugeridos, este ensaio dedicará atenção ao segundo, o acolhimento ao Povo de Deus, que aqui será abordado a partir da espacialidade, da arquitetura: o lugar da assembleia.

Na maioria das igrejas, o lugar da assembleia é, em regra geral, preterido. Costuma-se pensar com zelo e esmero o presbitério, lugares devocionais e capelas, deixando-se em segundo plano a nave. Percebe-se um triste paradoxo: a despeito de que a presença de Cristo acontece primeiramente na comunidade reunida em oração, conforme vemos nos Evangelhos, os costumes vivenciados na contemporaneidade negam esta premissa. Nota-se uma espiritualidade ambígua: se vê Cristo em sinais das artes sacras e litúrgicas, mas ignora-se sua presença primordial na assembleia reunida.

O desprestígio do lugar da assembleia é, entretanto, fruto de um processo histórico doloroso, que será oportunamente abordado nas páginas vindouras, em vista de sua compreensão e desejada superação.

As reflexões acerca do lugar destinado à assembleia litúrgica, nos templos cristãos católicos, é uma instigante forma de se pensar a Igreja. Para tanto, fundamentaremos nossas análises numa abordagem interdisciplinar partindo da teologia, com a contribuição de inúmeros prestigiados pensadores.

Em seguida ofereceremos um pequeno tratado sociológico sobre as tensões simbólicas existentes no espaço litúrgico e a ideia conceitual de espaço e lugar para que possamos compreender os fenômenos sociais pertencentes ao lugar da assembleia.

Em seguida estudaremos a assembleia a partir de uma perspectiva eclesiológica, qualificando-a como sujeito integral da celebração litúrgica, para então ousarmos propor um estudo da forma arquitetônica que possa bem acolher a todos e, mais ainda, promover a vivência dos valores comunitários/cristãos.

Por fim, será apresentado um apanhado de quatro projetos de arquitetura para o espaço litúrgico, que foram concebidos à luz das teorias aqui desenvolvidas.

Esta pesquisa pretende, finalmente, propor caminhos que possam ajudar as comunidades cristãs católicas a conceberem espaços litúrgicos que promovam a percepção clara do sentido de Cristo Total, na e para a comunidade.


[1] RILKE, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta, 12. ed. Porto Alegre: Globo, 1984, p. 37.

[2] BIANCHI, Enzo. Igrejas para as cidades de hoje. In Monastero di Bose. Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Lisboa. Disponível em:  https://www.snpcultura.org/igrejas_para_as_cidades_de_hoje.html. Acesso em: 29 jan. 2020.

[3] Ibid.

[4] Ibid.

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