Eu gostava de caçar passarinhos. Havia, entretanto, um ritual que precedia a caça e que indispensável. Primeiro a gente buscava uma boa forquilha, preferencialmente de galhos de goiabeira. Depois de escolhido o melhor galho em formato de “Y”, era preciso lapidá-lo, recortando e desbastando o galho até ele ganhar a forma desejada. Alguns meninos deixavam a forquilha secar ao sol por duas semanas, diziam que assim a madeira ganharia uma melhor performance. Mas a minha ansiedade não permitia este cuidado. Eu queria concluir o meu artefato no mesmo dia. Tendo numa das mãos a forquilha e na outra algum dinheiro, eu corria para a farmácia e comprava meio metro de tripa de mico.
Já em casa, empenhado e compenetrado na tarefa, eu cortava o tubo flexível de látex cirúrgico em duas partes para em seguida amarrá-los nas extremidades superiores da forquilha. Nas outras pontas da borracha amarrava um pedacinho de couro, no qual seriam acomodadas as pedras, instantes antes de serem lançadas. A velocidade no lançamento dependia da força que aplicávamos ao esticar as borrachas. Estava pronto meu estilingue.
Dona Maria, minha mãe, cozia um embornal, uma espécie de sacola com alças longas, toda feita com tecido velho. Nele a gente colocava algumas pedras cuidadosamente selecionadas, que seriam utilizadas para a caça passarinhesca. As pedras precisavam ter uma forma que permitisse um bom desempenho quando lançadas. Nada sabíamos sobre aerodinâmica, mas instintivamente estávamos certos de que o formado delas precisava ser meio arredondadas. Muitas vezes, fabricávamos nossa própria munição, moldada em forma de pequenas esferas com uma liga de barro e cola caseira.
De posse do estilingue e da munição finalmente saíamos à caça, os outros meninos e eu. Pretendíamos os passarinhos, todos eles, mas preferencialmente as rolinhas. E aqui começa o meu fracasso. Eu era muito ruim na caça, aliás, péssimo. Todos os meninos matavam muitos pássaros. Alguns carregavam dois embornais, um para a munição e o outro voltava cheio de pássaros abatidos.
Ainda criança eu chorava meu fracasso. Nunca conseguira acertar um passarinho sequer, unzinho, nunca. Pior ainda, eu era um péssimo companheiro de caça. A minha falta de destreza só fazia espantar os bichinhos que ora repousavam sobre uma cerca, ora sobre um galho de uma árvore qualquer. Minha inaptidão impedia os outros meninos de aumentar o peso e o volume de seu embornal de pássaros abatidos.
Nunca descobri a razão do meu fiasco. Talvez influenciasse, o fato de não querer esperar a forquilha secar ao sol ou mesmo pudesse ser que minha miopia já desse ali os primeiros sinais. O fato é que esta incapacidade me entristecia muito.
Mas o tempo passou e agora, trinta anos depois, enquanto observo uma pequena rolinha tomando água numa poça que a chuva recente ofereceu, percebi que o meu fracasso de antes tornou-se a minha alegria de hoje. Vendo aquele bichinho singelo, inofensivo e vulnerável, se hidratando à minha frente, me abri num sorriso sincero ao lembrar que felizmente eu era um péssimo caçador. E, inebriado por esta alegria provocada por uma frustração pretérita, me perguntei sobre os meus muitos fracassos percebidos hoje e que amanhã também serão minhas maiores alegrias.