Ronei Costa Martins Silva

Eu, assim como a maioria dos meninos da minha idade, todas as manhãs rumávamos para a escola tendo no bucho apenas alguns goles de café preto. Esta condição fazia-nos ansiar pela hora do recreio, quando podíamos comer a merenda da escola. Lembro-me bem do sinal que anunciava a hora desejada, aquele tinido característico, que parecia com som do despertador de relógio antigo, que possuía em sua parte superior um martelete e duas campainhas. Quando da hora de despertar, ele acionava um mecanismo que fazia um martelete bater intermitentemente nas duas conchas metálicas, produzindo um som inconfundível.

Aquele sinal era como a largada de uma prova importante, despertando na molecada o instinto adormecido de um atleta olímpico. Deixávamos o caderno, a lição e saíamos correndo, desembestados, afim de chegar nos primeiros lugares da fila da merenda, como se o primeiro pudesse comer mais e melhor. Eu em toda a minha vida escolar pueril nunca consegui ganhar uma prova destas sequer, sempre chegava lá atrás e esperava a minha vez. Enquanto esperava, exercitava minha capacidade de observação.

Na medida em que ia me aproximando, era mais perceptível a atenção da merendeira com as crianças. Para ela não importava quem chegava na frente, seu critério era outro. Eu percebia que alguns pratos saiam de suas mãos mais cheios que outros. Percebia também que aqueles que eram agraciados com uma porção de merenda mais generosa eram justamente os das crianças que mais precisavam comer, em função daquela merenda ser, por certo, a sua principal refeição no dia, talvez a única.

Nunca soube o nome da merendeira, mas suas características jamais esquecerei. Uma senhora gorda, aconchegante, de cabelos alvos, rosto róseo, envolvido por muitas rugas e uma verruga na testa. Usava óculos de armação redonda na cor cinza com lentes esverdeadas muito grossas e vestia um avental branco, com as bordas amarelas de tanto uso e um bolso no centro. Seu sorriso era inconfundível e alimentava muito mais do que a própria comida. Gostava do sorriso dela.

Quando chegava a minha vez, enquanto ela colocava duas conchas generosas de comida no meu prato, olhava-me e sorria com um sorriso terno, maternal, que me impedia de afastar daquela aura envolventemente amorosa, até que o menino da sequência da fila me dava um empurrão costumeiro. Saia sem nada dizer e enquanto saia olhava e retribuía o sorriso, mas ela não via pois já estava atendendo outras crianças. Depois buscava um canto no chão, sentava-me e comia. Nunca reclamei, a comida sempre estava muito boa. Na maioria das vezes buscava repetir, e ela estava lá, pronta para servir, porém, com uma advertência que nunca esqueci: ‘menino, não vai desperdiçar. Tem muita gente que nada tem pra comer.’

Seu gesto, cuidado e atenção com as crianças menos favorecidas nunca esqueci, aliás esta foi uma das muitas lições que aprendi na escola!

Obrigado mestras merendeiras!

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019.

Também é pesquisador da máscara do palhaço há 19 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

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