A cidade traz consigo tensões simbólicas importantes que são provocadas pela relação entre pessoas diferentes. Tal diferença, seja ela social, econômica, de gênero, geracional ou racial, aprimora o sentido da vida em comunidade. É provável que vivendo apenas entre iguais, com o passar do tempo, venhamos a cristalizar um costume social que legitime e acentue a austeridade dispensada àqueles que, apenas por serem diferentes, também poderiam ser sinais de perigo.
Ocorre que em função dos índices de violência urbana muitos de nós escolhemos migrar para condomínios fechados, vivendo entre pessoas do mesmo nível social. Nestes bairros de muros eletrificados, na medida em que inicialmente somos protegidos da violência, somos também privados de um tipo de experiência existencial que poderia aprimorar o senso de alteridade. Criamos barreiras para a coexistência social com aqueles que poderia nos humanizar e aprimorar nosso modo de viver em comunidade.
O isolamento intramuros que nos impomos devido ao medo resultará num efeito colateral fomentador do mesmo medo. Imersos na ilusão de que estamos protegidos, aos poucos e paulatinamente passamos a impor rótulos sobre aqueles que, pelo simples fato de estarem fora dos muros, tornam-se potenciais ameaças. E ao nos afastarmos destes, impedimos o exercício de uma empatia recíproca. Por sua vez, a drenagem desta empatia também fomentará a mesma violência da qual queremos nos proteger.
A antropóloga Teresa Caldeira, no livro “Cidade de Muros”, critica a segregação socioespacial. Ela propõe um contraponto interessante ao defender a existência de lugares que acolham aquilo que chamou de ‘coexistência de diferenças não assimiladas’.
Em síntese ela diz que a cidade deve promover a coexistência de diferenças que jamais serão assimiladas uns pelos outros. Na medida em que as pessoas se dispõem conviver com outras bastantes diferentes de si, ambas serão retro-lapidadas umas pelas outras, por meio daquilo que não possuem em si, ou seja, por meio das diferenças não assimiladas, o que promoverá o aprimoramento das habilidades de convívio social
Segundo ela é exatamente a disposição para se colocar frente-a-frente com aquele que é diametralmente diferente de si que estimulará o processo de evolução, num primeiro instante do indivíduo e em seguida e consequentemente, de aperfeiçoamento da vida em comunidade.
Diante disto tudo, eis dolorosa constatação: o isolamento intramuros não nos salvará, apenas fará crescer o monstro que, mais adiante, nos devorará. Pensemos!
Ronei Costa