É a prática cotidiana que molda valores e não o inverso. E os espaços podem promover ou inibir os exercícios cotidianos que paulatinamente vão dando forma às nossas crenças e valores. Por isso a arquitetura é tão importante. Esta ciência nos permite criar espaços que favoreçam a vivência de práticas que moldarão valores na família e na sociedade.

Uma família procurou nosso atelier para fazer o projeto de sua casa. Com dois filhos, o casal desejava uma casa com três suítes, uma para o casal e outras duas para os filhos.

Nós, arquitetos devemos, com delicadeza, adentrar no cotidiano dos destinatários dos nossos projetos. Conhecer seus hábitos, costumes, valores, possíveis conflitos, os pets, se gostam de cozinhar, onde se refugiam, onde se confraternizam, enfim, mínimos detalhes que serão determinantes para se conceber uma casa na medida dos futuros moradores, tal como um bom alfaiate que toma todas as medidas para coser a ‘roupa ideal’. E enquanto pensamos, lidamos com um misto de sonhos e medos, entre meios riscos e rabiscos na prancheta. Projetar é quase como acompanhar a gestação de um filho, um advento, um esperar-esperançando.

Investigando a história da família para quem eu deveria projetar a casa, descobri a razão do desejo de oferecer aos filhos duas suítes. Eles queriam dar o máximo de conforto para as crianças. Pensamento nobre, frise-se, mas perigoso. Propus, então uma reflexão, correndo o risco de, na sequência, perder os clientes:

Um lar deve atender a uma premissa indispensável: um lugar que promova o fortalecimento dos vínculos afetivos. E isto se dá necessariamente com o estímulo à convivência. Se construo uma suíte para cada filho, com banheiro, TV e outros equipamentos, ofereceremos à criança um ambiente de plena subsistência, de tal modo que ela pouco sairá de seu dormitório para se socializar. Criaremos um feudo doméstico, de tal modo a isolar a criança em seu ambiente de conforto, fazendo com que ela, atraída pela comodidade, escolha não se relacionar.

O contrário é verdadeiro. Se os filhos precisarem compartilhar um banheiro e outros espaços na casa, eles terão que, por imposição do ambiente, conviver e, por exemplo, combinar em qual horário cada qual tomará seu banho. Haverá, inclusive e sem dúvida, certos conflitos que, sob olhar pedagógico, serão educativos na medida em que ensinarão na prática a necessidade da busca pela resolução das pelejas.

A partilha dos espaços na casa estimula a convivência, fortalecendo os vínculos afetivos. Por isso este espaço deve ser cuidadosamente planejado, de modo a não inibir, mas facilitar a vivência fraterna e amorosa entre todos.

Ronei Costa Martins Silva

Arquiteto Urbanista

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